Contabilidade - NOVO PADRÃO CONTÁBIL, UM DELÍRIO


Contador Tributarista ● Especialista em Direito Tributário pelo IBET ● Especialista em Direito Empresarial pela UEL ● Especialista em Contabilidade Gerencial e Societária pela UEL ● ex-Colunista Tributário ● Professor convidado em Pós-graduação de Direito Empresarial, Direito Tributário e Contabilidade ● Palestrante do 13° Simpósio Estadual de Contabilidade FECEA/UNESPAR ● Palestrante Nacional ● Sócio fundador da Business Contábil e Tributário ● [43] 3324-0907 ● marcelosilva@sercomtel.com.br.

NOVO PADRÃO CONTÁBIL, UM DELÍRIO

Marcelo Henrique da Silva, Contador.

Em seu romance Ensaio sobre a cegueira, José Saramago descreve uma cegueira metafórica, onde alguns cegos não o são apenas dos olhos, também o são do entendimento e assim difundem o seu mal como ocorre quando um olho que está cego transmite a cegueira ao olho que vê.

Sobre o romance do escritor português, Walter Praxedes descreve que “o medo, o comodismo e o fatalismo levam uma pessoa a se habituar a tudo”. A cegueira!
Pois nesse mundo padronizado , alguns (ou muitos!?) querem impor o novo padrão contábil – NPC a todas as sociedades brasileiras, em que pese inexistir norma jurídica dispondo dessa forma.

Não é permitido a quem quer que seja aplicar as leis em sua literalidade, mesmo que por amor. Há que investigar seu significado contextual, ou melhor, interpretá-las de forma sistêmica. Nessa, como anota José Roberto Vieira “não só ingressamos por inteiro no país hermenêutico, mas examinamos todos os seus cantos, analisamos todos os seus recantos, perscrutamos todas as suas sombras; passamos pelo texto sim, mas muito além, mergulhamos fundo e demoradamente no seu contexto”. Nesse fluxo, a Lei nº 6.404/76, alterada pela Lei nº 11.638/07 e realterada pela Medida Provisória nº 449/08, tem sido alvo de controvérsias – poucas é claro, mas que elas existem, elas existem!

Por óbvio, há que se respeitar aqueles adotam a teoria da obrigatoriedade, entretanto, em respeito ao princípio da legalidade é preciso que se estabeleça algumas verdades sobre o tema.

Dê início é importante destacar dois autores de escola que tratam da matéria, refiro-me ao Professor Eliseu Martins e ao advogado e parecerista Edmar Oliveira Andrade Filho. Ambos confirmam, direta ou indiretamente, que o NPC não é aplicável às sociedades limitadas (LTDA) tributadas pelos lucros presumido ou arbitrado, ou optante pelo Simples Nacional.

Para estes, estão sujeitos ao NPC as sociedades anônimas (SA), as limitadas (LTDA) de grande porte e as limitadas (LTDA) tributadas pelo Lucro Real, estas últimas independentemente se de grande, médio ou pequeno porte.

Anote que a opinião destes minimiza nosso labor, visto que até eles, que defendem o NPC com unhas e dentes, concordam com a inaplicabilidade desta novidade a algumas sociedades limitadas (tributadas pelos lucros presumido ou arbitrado, ou optante pelo Simples Nacional).

Nenhuma dúvida há, também, no que se refere à sua obrigatoriedade às sociedades anônimas e as limitadas de grande porte.

Resta-nos, portanto, apenas discutir a aplicabilidade ou não deste NPC nas sociedades limitadas tributadas pelo Lucro Real.

O ponto fundamental que leva os adeptos da obrigatoriedade na adoção do NPC a todos, podem ser sintetizados em três elementos: 1) valorização da classe contábil (aquele amor de alhures); 2) inciso XI, art. 67 do Decreto-lei nº 1.598/77; e 3) uso e costume (aquela descrita por Saramago).

Podemos deixar de lado os aspectos 1 e 3, visto tratar de questões pré- jurídicas, fora do alcance desta análise. Quem sabe a sociologia estude-as, um dia!

Por seu turno, o inciso XI, art. 67 do DL nº 1.598/77 encontra-se assim ementado: “O lucro líquido do exercício deverá ser apurado, a partir do primeiro exercício social iniciado após 31 de dezembro de 1977, com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976”.

Defender a vigência do dispositivo acima é enterrar o Código Civil Brasileiro e fazer tábula rasa da Lei de Introdução ao Código Civil.

Ora, o Direito de Empresa, inserido no Código Civil Brasileiro, de 2002, encontra-se completamente articulado pela imputabilidade deôntica do dever-ser: proibido, permitido e obrigatório.

Cumpre acrescentar, é neste código que as sociedades limitadas encontram a incidência jurídica da contabilidade. Basta, para isso, verificar que o art. 1.179 deste diploma prescreve que as sociedades empresárias (as sociedades simples, por exemplo, estão fora) são obrigadas a possuir contabilidade, e a levantar (sic) anualmente balanço patrimonial e o de resultado econômico.

Mantendo-se nessa linha, vejamos que o art. 176 da Lei nº 6.404/76, Lei das S/A – diga-se de passagem, dispõe que ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar com base na escrituração mercantil da companhia, o balanço patrimonial, a demonstração de resultado do exercício, e outras.

Fácil verificar que as sociedades limitadas encontram-se obrigadas a manter contabilidade em decorrência do Código Civil, não pelo dispositivo contido na Lei das S/A.

Essa afirmação encontra-se, inclusive, explicitada no item 5 da Resolução CFC nº 1.157/09, quando estabelece que “no Brasil, as demonstrações contábeis do final de exercício social elaboradas para o atendimento do art. 176 da Lei nº 6.404/76 devem ser elaboradas ‘com base na escrituração mercantil’”.

É preciso explicar, contudo, que esta resolução se refere aos Esclarecimentos sobre as Demonstrações Contábeis de 2008, em decorrência do NPC. Isso quer dizer que as demonstrações contábeis, fundadas exclusivamente no art. 176 da Lei das S/A, devem seguir este NPC.

Fique consignado, mas uma vez, as sociedades limitadas estão obrigadas a levantar demonstrações contábeis em decorrência do comando normativo contido no art. 1.179 do Código Civil, não daquele art. 176 da Lei das S/A.

Com a vigência do Código Civil Brasileiro, o inciso XI, art. 67 do DL nº 1.598/77 foi derrogado (não revogado, derrogado).

Aplica-se, no caso concreto, o princípio da especialidade, critério elementar de solução de antinomias (aparentes) entre regras jurídicas.

É importante lembrar que a Lei de Introdução ao Código Civil prescreve que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior, mas derroga.

Em estreita síntese, é preciso deixar claro, que o inciso XI, art. 67 do DL nº 1.598/77, descrito como fonte de obrigação do NPC para as sociedades limitadas tributadas pelo lucro real, não é válida para juridicizar os fatos das sociedades limitadas, tributadas ou não pelo lucro real.

Sendo assim, é preciso afirmar que o dispositivo em comento carece de eficácia jurídica quanto às sociedades reguladas pelo Código Civil Brasileiro, no que se refere à obrigação de que o lucro líquido do exercício deverá ser apurado com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Com efeito, é no Código Civil, não na Lei das S/A, que se encontra a incidência jurídica da contabilidade, e do lucro líquido.

Desprezar as normas do Direito de Empresas, prescritas no Código Civil, é reduzi-las a inutilidade, observando que à regra hermenêutica nos ensina que: prefira-se a inteligência dos textos que torne viável a sua finalidade, em vez daquela que os reduz à inutilidade.

Dando um passo à frente, é importante notar que o lucro líquido, apurado com base nas normas jurídicas (não confundir normas jurídicas com leis), deverá ser ajustado, para que se encontre o lucro real, ou lucro tributável, nos termos do que determina o art. 37 da Lei nº 8.981/95.

No plano do dever-ser, essa determinação de apuração do lucro real, em nenhum momento, remete às sociedades limitadas ao cumprimento de obrigações da Lei das S/A, inclusive daquele NPC.

Nesse encalço, em respeito ao Princípio da Legalidade, como forma de preservação da segurança, não há qualquer enunciado prescrito positivado que dê suporte à obrigação de adoção do NOVO PADRÃO CONTÁBIL às sociedades limitadas, tributadas ou não pelo Lucro Real.

Por derradeiro, fico com as palavras de Cláudio de Moura Castro, para quem
“para o progresso futuro precisamos ser obstinadamente inconformistas”.

Fonte, pelo autor para mim por email em 10/3/9 as 14:09.

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