A responsabilidade penal dos sócios quotistas no crime tributário


A responsabilidade penal dos sócios quotistas no crime tributário

Temos assistido ultimamente a uma onda persecutória do Estado contra os sonegadores de tributos. No início desta semana, inclusive, o Secretário da Fazenda do Estado, Aod Cunha, entregou ao Procurador-Geral de Justiça 177 Autos de Lançamento com indícios de prática de delitos tributários, a fim de que fosse promovida a denúncia dos responsáveis. A vultuosidade do valor a ser cobrado – R$ 149,4 milhões – indica que será despendido esforço extra do Ministério Público com vistas à recuperação do montante.

Em breve, então, teremos 177 novas denúncias chegando ao Judiciário, requisitando que o Estado puna os sócios e/ou administradores das empresas autuadas pelos crimes constatados pelos Agentes da Receita Estadual. É aí que podemos encontrar uma série de irregularidades, pois via de regra tais denúncias pecam na descrição e na individualização dos atos e acabam pugnando pela criminalização de todos os sócios e administradores da empresa envolvida.

Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal, por seu decano Min. Celso de Mello, proferiu célebre julgamento no sentido de que o sócio quotista que não tem poder de gerência e que não conconcorreu para quaisquer dos fatos delituosos não pode ser reponsabilizado criminalmente.

Além disso, afirmou o Ministro que a denúncia, como peça acusatória delimitadora do poder-dever punitivo do Estado, deve conter a essência e as circunstâncias dos atos de cada um dos denunciados, especificamente, sob pena de infringir o princípio do devido processo legal e, aí, o contraditório e a ampla defesa penal. A denúncia que não contém estritamente os atos praticados por cada um dos denunciados é inepta, pois impossibilita a defesa do réu, restringindo-lhe um dos seus direitos fundamentais, além de lhe causar um tremendo sentimento de insegurança, já que está sendo acusado por ato que, de fato, nem mesmo sabe qual é, lembrando o personagem kafkiano K., em “O Processo”.

Demais não é citar trecho do entendimento do referido Ministro: “Tendo em vista a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático, não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo da peça acusatória – conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial –, que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe ao Ministério Público, quando este deduzir determinada imputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada, a participação dessas pessoas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do ‘due processo of law’, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação”. (HC 84.436. STF. Segunda Turma. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 27.03.2008)

Assim, a existência de embasamento probatório e o atrelamento desses fatos criminosos às práticas dos seus agentes é requisito de admissibilidade da denúncia e deve ser verificado pelo Juiz e/ou argüido pelos defensores do acusado.

Por fim, cabe ressaltar que a ânsia do Estado em reverter o estigma da impunidade que paira sobre o nosso país não pode deixar de lado direitos que custaram várias vidas para serem conquistados. O fim da impunidade não pode ter relação com o abandono ou relativização das garantias constitucionais que foram conquistadas pelo povo e estão sendo bem geridas e amadurecidas pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de o medo, o pavor do Estado voltar às ruas.

Por Samuel Hickmann.

Fonte Hickmannn & Schaurich Associados - Newsletter 19/6/8 por Email

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